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SOLTEIROS NA QUARENTENA: COMO SE REPRODUZEM?

03/09/2020

Adriana Pimenta

Esta crônica é resultado do trabalho proposto durante a oficina Artes e Artimanhas da Crônica, conduzida por Fabrício Corsaletti na Escrevedeira. Indo das liberdades do Carnaval às restrições impostas pela pandemia, o texto aborda, com bom humor, uma questão relevante neste complexo e turbulento 2020. Boa leitura!

No Carnaval vivi um aproveitamento tardio da adolescência. Botei meu bloco na rua. Dancei entre desconhecidos, beijei quem cruzei no meio da folia, abracei quem me abrigou. Com espírito livre, me entreguei ao momento e, se ele se estendesse, teria uma proteção comigo: um pacote de camisinhas na pochete purpurinada. Com a pandemia, tudo mudou. Agora me preservo de outra maneira, me distanciando. Caso contrário, posso beijar um recém-conhecido na boca e morrer 15 dias depois.

 

Não sou uma pessoa fatalista mas, veja bem, o novo mundo já chegou e os sem par sentem isso na pele. Trancada há mais de cinco meses em casa, sozinha, penso, mais do que gostaria, quando terei um novo relacionamento. Como encontrar uma companhia se agora a preocupação não é mais se o cara é casado, mau caráter ou um maluco travestido de gente boa. O receio é se carrega um vírus capaz de tirar o meu fôlego, mas não por paixão.

 

Outro dia li matérias nos jornais relatando como os países que flexibilizam a quarentena estão utilizando espaços públicos.  Parques com grandes círculos separando as pessoas, cinemas e teatros com cadeiras removidas para que a distância de dois metros seja mantida, e restaurantes com divisões de acrílico saindo do teto para que cada um fique na sua, como um protótipo inventivo da série do Agente 86. Difícil paquerar ou ser paquerada com tanta distância, não acha?

 

A reportagem “Casual sex is out, acompanionship is in” (Sexo casual está fora, companhia está dentro, em tradução livre), da revista inglesa The Economist, diz ser um momento frustrante para o solteiro. O distanciamento social dificulta o encontro “na carne”, mas algumas pessoas, mesmo assim, tentam manter a vibe de outras maneiras; como os encontros virtuais. Interagem por chamadas de vídeo. Mostram a sua cara e sua casa, muito mais de si mesmos. Basicamente se conhecem nos aplicativos já existentes no mercado e marcam vídeo-chamadas numa versão moderna do encontro no bar.  Mesmo antes da pandemia eu não frequentava esses ambientes. Confesso que tentei, mas a sensação de estar em um catálogo virtual de seres humanos abriu ainda mais o buraco vazio que às vezes assola os solteiros. Aquela sensação de estar dentro de um círculo separatório, pré-pandemia, no meio do parque dos casados. Ainda mais quando já se passou dos quarenta.

Tenho amigas que apostam nos encontros virtuais para aplacar a solidão da quarentena. Se cadastraram em todos os apps e passeiam entre eles ao longo dos dias colecionando matches. Algumas dizem que a experiência virtual está melhor que antes. Agora há tempo para se conhecerem. Comprovar se a ligação é real ou passageira. Além de poderem esquentar o ambiente para o tão aguardado encontro pessoal.

 

Fato é que a solidão trazida pela quarentena está fazendo com que os solteiros reconsiderem o que querem de uma relação amorosa. Talvez o distanciamento social tenha vindo para nos aproximar. Quem sabe…? Enquanto isso, eu sonho com o Arlequim, que fiquei de encontrar no próximo bloco.  

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