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O VERBO QUE SE FEZ SANGUE

08/01/2021

Raeltom Santos Munizo

No finalzinho do ano que terminou, aconteceu mais uma edição da já clássica oficina de Noemi Jaffe, ‘Um conto de natal’, que, como sempre, deu bons frutos. Um deles é o que está abaixo, de autoria de Raeltom Santos Munizo.

Nesses tempos em que a sensação da passagem do tempo parece estranhamente diferente para todos nós, apresentamos o texto de Raeltom para inaugurar 2021 no blog da Escrevedeira, desejando um excelente ano e boa leitura!

 

 

Terra vegetal embaixo de novíssimos panos chumbados de cimento sentiu o peso de uma noite escura e funda que afogava grandes e poucas estrelas durante o choro da eternidade nascida. Nasceu numa casa miúda de concreto mofado, no centro de uma cidade, no qual estavam fincados prédios longos como torres modernas de babel. Depois de sentir a poluição noturna, a infantil eternidade mamou a ungida bem-aventurada que lhe suportou na carne. Era uma virgem outra, escolhida pelo Bem, por carregar o bem, para manter e mostrar o bem à luz também bebida pelos homens de carne e guerra.

 

Como um ramo tenro e úmido pelo céu rasgado em orvalho, o verbo menino se espraiou em palavra pelo bairro do mundo. Tais palavras queimavam devagar os saberes arquitetados pelos homens crentes numa verdade dada e revelada somente por eles. O menino nunca cresceu, nunca virou homem. Ele viveu no nunca, para jamais se perder nas costelas do tempo homem.

 

Isolado, deitado na cama quente de sua mãe e ouvindo os sinos da imaginação embalados ao ritmo de um velho umidificador de ar sobre uma pouca mesa, o menino começou a descobrir o mundo a partir daqueles objetos. O mundo se torna cada vez mais uma vazia preocupação de compor uma mesa cheia nas beiradas, bem como uma preocupação de sanar os desejos do quente capitalismo mercadológico com um objeto rangente que, por sua vez, refresca o ar com uma ilusão da imaginação individualista.

 

O verbo ver espia que o ser humano se derrama e se ergue em tom e dor de cimento.

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